sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Ministério Público de Contas do RS emite parecer desfavorável ao último ano do governo Vanazzi em São Leopoldo

     Em sessão realizada no dia 04 de dezembro último, a Segunda Câmara do Ministério Público de Contas do RS analisou o processo nº 05005-0200/12-3 referente as contas do governo municipal de São Leopoldo do exercício de 2012, do então Prefeito Ary Vanazzi. 

     O Conselheiro Pedro Figueiredo, relator, emitiu parecer (MPC Nº 11080/2014) desfavorável por não-atendimento à Lei Complementar nº 101/2000, decorrente da existência de valores inscritos em Restos a Pagar sem a disponibilidade financeira suficiente e desequilíbrio financeiro, ensejando a imposição de ao Responsável (Prefeito).

     Veja na íntegra o parecer do relator:


PARECER MPC Nº 11080/2014

Processo nº 05005-0200/12-3

Relator: CONSELHEIRO PEDRO FIGUEIREDO

Matéria: CONTAS DE GOVERNO – EXERCÍCIO DE 2012

Órgão: EXECUTIVO MUNICIPAL DE SÃO LEOPOLDO


     Responsáveis: ARY JOSÉ VANAZZI (PREFEITO), CLAUDIO MANOEL DAVILA (PREFEITO EM EXERCÍCIO) E LUIZ FERNANDO HEYLMANN (PREFEITO EM EXERCÍCIO)

PROCESSO DE CONTAS DE GOVERNO. MULTA. NÃO-ATENDIMENTO À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. PARECER FAVORÁVEL (CLAUDIO MANOEL DAVILA E LUIZ FERNANDO HEYLMANN). PARECER DESFAVORÁVEL (ARY JOSÉ VANAZZI). RECOMENDAÇÃO AO ATUAL GESTOR.

     O não-atendimento à Lei Complementar nº 101/2000, decorrente da existência de valores inscritos em Restos a Pagar sem a disponibilidade financeira suficiente e desequilíbrio financeiro, enseja a imposição de multa e a emissão de parecer desfavorável à aprovação das contas do Responsável (Prefeito).

     Para exame e parecer, o Processo de Contas de Governo dos senhores ARY JOSÉ VANAZZI e CLAUDIO MANOEL DAVILA2 e LUIZ FERNANDO HEYLMANN , com base na documentação acostada e nos Relatórios de Instrução Técnica Final/Encerramento do exercício financeiro de 2012, de Consolidação das Contas e Complementar.

     1. A Supervisão destaca a inexistência de processos de Tomadas de Contas Especiais, de Inspeções Extraordinárias ou Especiais, em andamento, de responsabilidade dos Administradores no exercício sob exame.

     2. As irregularidades a seguir, indicadas no Relatório Geral de Consolidação das Contas, desvelam a transgressão a normas de finanças públicas, de controle dos orçamentos e balanços e das metas do Plano Nacional de Educação, ensejando a imposição de multa ao Responsável:

Da Gestão Fiscal:

     2.1.4 - Com base na análise das informações contidas no sitio do Município, constatou-se que as exigências contidas na Lei Federal nº 12.527, de 18-11-2011, não estão sendo cumpridas em sua totalidade (667 e 668).

     Tendo em conta as deficiências verificadas quanto ao cumprimento da Lei de Acesso à Informação, cabe recomendação ao Gestor para que evite a repetição das situações destacadas, sob pena de repercutir negativamente nas contas futuras.

5.1 – Restos a pagar. O Executivo não atendeu aos preceitos inscritos no art. 42 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, tendo em vista que não há suficiente disponibilidade financeira para as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato, que não foram pagas dentro do mesmo (fls. 667 e 668).
5.2 – Equilíbrio financeiro. Observa-se que a Insuficiência Financeira existente no encerramento do exercício de 2012, no valor de R$ 37.056.308,75, é superior à apresentada no encerramento do exercício de 2008, demonstrando uma situação de desequilíbrio financeiro durante esta gestão. Utilização dos montantes de R$ 1.449.411,80 (Fund. Hospital Centenário – São Leopoldo) e R$ 1.431.785,37 (Serviço Mun. de Água e Esgotos – São Leopoldo), de propriedade de terceiros, para cobertura de outras obrigações financeiras assumidas (fls. 667 e 668).

     O Gestor afirma que os documentos apresentados demonstram não haver insuficiência financeira e que os restos a pagar “não são os da quantia apresentada pela equipe de auditoria”. Faz menção a circunstâncias excepcionais que afetaram o equilíbrio financeiro do Município, a exemplo da perda de arrecadação provocada pelas desonerações de IPI.

     Conforme destacado pela Supervisão, “a quase totalidade da documentação apresentada pelo Esclarecente constitui-se de dados oriundos dos sistemas do próprio TCE-RS os quais já foram analisados e interpretados pelo SAG à luz dos comandos da LRF e dos normativos expedidos por esta Corte.” Nesse passo, os documentos carreados pelo Administrador não são hábeis a afastar as inconformidades apontadas.

     Quanto ao subitem 5.1, verificou-se que, nos dois últimos quadrimestres do mandato do Administrador, foram contraídas obrigações de despesa, que já se encontram inscritas em Restos a Pagar Processados e Não Processados, em valor muito superior ao efetivamente disponível em caixa para seu cumprimento, totalizando R$ 16.841.286,18 de gasto excedente ao disponível, para o período entre maio e dezembro de 2012.

     Frente a isso, resta configurado o descumprimento ao artigo 42 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, que veda ao titular de Poder, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem existir disponibilidade financeira para isso.

     No que tange ao subitem 5.2, conclui-se pelo não atendimento ao disposto no §1º do artigo 1º da Lei Complementar Federal nº 101/2000, pois, como bem destacou o Órgão Técnico, restou demonstrada a insuficiência financeira para a cobertura dos valores inscritos em Restos a Pagar (fls. 539/541). Acrescenta-se, ainda, que, após correção monetária dos valores, a insuficiência financeira do exercício de 2012 é 16,43% superior à apresentada no encerramento do exercício de 2008, caracterizando situação de desequilíbrio financeiro durante a gestão do Administrador.

     É necessário ressaltar que, segundo o artigo 9º da Lei Complementar nº 101/2000, constatando, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, o Poder Executivo, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, promoverá limitação de empenho e movimentação financeira, segundo critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

     Ademais, conforme observado à fl. 543, a redução da arrecadação pelas desonerações do IPI, no montante de R$ 1.204.009,16, não seria suficiente para a cobertura das insuficiências financeiras apuradas.

     É oportuno lembrar que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à geração da despesa da seguridade social, inscrição em restos a pagar, entre outros elementos previstos no artigo 1º, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

     Sendo assim, o Ministério Público de Contas se manifesta pela manutenção das inconformidades apontadas nos subitens 5.1 e 5.2, por violação expressa aos artigos 42 e 1º, §1º, da Lei Complementar Federal nº 101/2000, respectivamente.

Da Consolidação:

     Não foram enviados todos os documentos previstos no Regimento Interno desta Corte - art. 113 - para a prestação de contas do exercício em análise, registrando-se ausentes os que seguem:

3.1.1 - Cópia das atas de encerramento dos inventários de bens e valores, elaboradas pela comissão inventariante, evidenciando eventuais diferenças e as respectivas providências adotadas, nos termos da Resolução nº 962/2012 (fl. 669).
3.1.2 - Pareceres dos conselhos que, por força de lei, devem se manifestar sobre as contas do fundo previdenciário próprio, nos termos da Resolução nº 962/2012 (fl. 669).
3.1.3 - A Contadora do Município, Sra. Silvana Klein, CRC/RS nº 052618/0-4, profissional que assinou os documentos de fls. 598, 601, 602, 609, 652, também é responsável pelo Sistema de Controle Interno Municipal, conforme se verifica às fls. 585, 605, 661 e 666, bem como por meio de consulta ao sistema informatizado do TCE . Tal situação está em desconformidade com o princípio da segregação de funções e com a Informação nº 060/2002 da Consultoria Técnica, aprovada pelo Tribunal Pleno, em sessão de 02-04-2003 (fl. 669).
3.1.4 - O relatório do responsável pelo Sistema de Controle Interno, encaminhado por força da alínea “b” do inciso I do artigo 113 do RITCE, cujo parecer foi favorável à aprovação das Contas, conteve a seguinte ressalva (fl. 669):
- Insuficiência financeira para cobertura de gastos e utilização indevida de recursos para a folha de pagamento.
3.1.5 - O relatório e parecer do responsável pela Unidade Central de Controle Interno – UCCI, relativo à aplicação dos recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, cujo parecer foi favorável à aprovação das Contas, conteve as seguintes ressalvas (fl. 670):
- foram identificados pagamentos das despesas com pessoal do recurso livre com recursos específicos 0031 – FUNDEB. Além disso, foi apontado a utilização de recursos do FUNDEB (031) e Salário Educação (1130) para pagamentos de despesas com pessoal do recurso MDE (0020) (fl. 661);
- insuficiência financeira para cobertura de gastos nos recursos MDE e FUNDEB (fl. 661).
3.1.6 - O relatório e parecer do responsável pela Unidade Central de Controle Interno – UCCI, relativo à aplicação dos recursos vinculados às ações e aos serviços públicos de saúde, cujo parecer foi favorável à aprovação das Contas, conteve as seguintes ressalvas (fl. 670):
- pagamentos de despesas de pessoal com recursos ASPS com recursos específicos FMS;
- insuficiência financeira para cobertura de gastos no recurso 4550- Fator Incentivo a Povos Indígenas, no valor de 134,64.


Informação nº 158/2013 – SAM:
1.1 - Manutenção e Desenvolvimento do Ensino. Alocação insuficiente de recursos no ensino infantil, de modo a ofertá-la a toda população infantil. Os recursos destinados à Educação Infantil no exercício representaram apenas 42,53% do total de recursos MDE e FUNDEB. Não foram atingidas as metas de atendimento nas creches (50% das crianças) e na pré-escola (80%), como definidas na Lei Federal nº 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação - PNE), verificando-se em 2012 a recepção de 22,99% das crianças nas creches e 62,41% na pré-escola. Para atender a referidas metas haveria a necessidade de criação de 3.162 vagas em creche e 2.190 em pré-escola. Ao deixar de atender as metas do PNE, um acréscimo de 23,62% no retorno do FUNDEB, correspondente ao montante de R$ 17.636.659,68, deixou de circular na economia local, o que representa 0,43% do PIB municipal. Infração ao art. 7°, inciso XXV, art. 208, inciso IV e art. 227, todos da Constituição Federal, ao art. 54 da Lei Federal nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e à Lei Federal nº 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação) (fls. 545 a 557).

     O Administrador sustenta que as disposições da Lei Federal nº 10.172/2001, que teria surtido efeitos jurídicos no período entre 10/01/2001 e 10/01/2011, somente podem servir como parâmetro indicativo de medidas a serem adotadas e corrigidas, sem, contudo, vincular a conduta do Gestor. Alega que o Município fez o que estava a seu alcance para o cumprimento das metas em educação. Assevera que a Constituição da República define a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos.

     A Supervisão, por sua vez, sugeriu a manutenção do apontamento, argumentando, em síntese, que o fato de o Plano Nacional de Educação abranger o período de 2001 a 2011 não significa que a partir de 2012 tal plano não precise ser observado, pois suas metas já deveriam estar cumpridas ao final daquele interregno. Destaca que não se deve confundir o atendimento do disposto no inciso I do artigo 208 da Constituição Federal (educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, que deverá ser implementado progressivamente até 2016) com o atendimento das metas estipuladas no Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 10.172/2001) para a oferta de ensino infantil para as crianças até 5 anos de idade, que deveria ter sido cumprido pela municipalidade até o exercício de 2011.

     Cumpre advertir, inicialmente, que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo, sendo que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

     No caso em tela, verificou-se que o índice de atendimento em creches alcançou 22,99% das crianças entre 0 e 3 anos e a taxa de acolhimento na pré-escola atingiu 62,41% das crianças de 4 e 5 anos, aquém das metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação.

     É necessário atentar, entretanto, para o aumento de matrículas no período entre 2009 e 2012, especialmente em creches, segundo revela a Informação nº 158/2013, à folha 554.

     De acordo com o levantamento realizado pelo Órgão Técnico, em 2009, havia 1.356 crianças matriculadas em creches, enquanto em 2012 esse número aumentou para 2.691, sendo que a taxa de atendimento passou de 11,74% para 22,99%. Por sua vez, o número de matrículas em pré-escola passou de 3.303, em 2009, para 3.635, em 2012, com o índice de atendimento aumentando de 51,23% para 62,41%.

     Esses números são significativos e não podem ser desconsiderados na análise das inconformidades apontadas, pois, em que pese a manutenção da situação de desatendimento dos índices previstos no Plano Nacional de Educação, revelam as ações do Administrador em atender aos preceitos da Constituição da República e da legislação pátria no exercício sob exame.

     Por esses motivos, o MPC entende que as falhas não maculam as contas do Administrador, devendo ser consideradas para fins de penalidade pecuniária, sem prejuízo da recomendação ao atual Gestor para que envide esforços no sentido de disponibilizar as vagas necessárias ao pleno atendimento das metas relacionadas à educação infantil.

      3. Tendo em conta a relevância das irregularidades apontadas nos itens 5.1 e 5.2 da Gestão Fiscal, que desvelam a prática de atos contrários às normas de administração financeira e orçamentária – não-atendimento à Lei Complementar Federal nº 101/2000 - entende-se que as mesmas revestem-se de relevância bastante para ensejar a rejeição das contas em questão, forte no disposto pelo artigo 3º da Resolução nº 414/1992.

     4. Diante do exposto, opina este Ministério Público de Contas nos seguintes termos:

1º) Multa ao senhor ARY JOSÉ VANAZZI, por infringência a normas de finanças públicas, de controle dos orçamentos e balanços e das metas do Plano Nacional de Educação, com fundamento nos artigos 67 da Lei Estadual nº 11.424/2000 e 132 do RITCE;
2º) Não-atendimento à Lei Complementar Federal nº 101/2000;
3º) Parecer favorável à aprovação das contas de governo dos senhores CLAUDIO MANOEL DAVILA e LUIZ FERNANDO HEYLMANN, no exercício de 2012, com fundamento no artigo 5º da Resolução nº 414/1992;
4º) Parecer desfavorável à aprovação das contas de governo do senhor ARY JOSÉ VANAZZI, no exercício de 2012, com fundamento no artigo 3º da Resolução nº 414/1992;
5º) Ciência ao Procurador-Geral de Justiça e ao Procurador Regional Eleitoral, consoante o disposto no parágrafo único do artigo 99 do Diploma Regimental;
6º) Recomendação ao atual Administrador para que corrija e evite a reincidência dos apontes criticados nos autos, bem como verificação, em futura auditoria, das medidas implementadas nesse sentido.

É o parecer.

MPC, em 25 de agosto de 2014.

DANIELA WENDT TONIAZZO
Adjunta de Procurador


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